segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O centro da cidade

Nada mais interessante, pitoresco e folclórico que o centro da cidade. É um barato!
O movimento incessante do centro é impressionante! Mesmo nos períodos do dia fora do horário comercial, tem sempre gente indo e vindo. 


Mas pra onde toda essa gente vai?

De onde toda essa gente vem?


É a mãe que leva o filho na sapataria; a senhorinha que vai a uma consulta médica; o rapaz apressado, preocupado em se sair bem na entrevista de emprego; a mocinha em busca do vestido de noiva dos sonhos; os aposentados em frente àquele tradicional café, discutindo sobre política, futebol e mulher, o dia inteiro!

Penso que, se um turista quer realmente conhecer a essência e a verdadeira cara de uma região urbana, deve ir passear no centro da cidade, com aquele olhar curioso e atento, pois nenhum cenário é mais propício para o exercício da observação.

Tudo o que acontece no centro é a expressão da mais pura autenticidade e crueza da vida real. Não precisa nem ser sociólogo ou antropólogo pra saber que a grande atração do centro da cidade são as pessoas.
É lá que se encontra o povão.



Praça Sete, "extremo centro" de Belo Horizonte

 

A família do meu marido tem uma loja no centro de Belo Horizonte, dirigida por minha sogra. Sempre que algum funcionário sai de férias, eu sou convocada para entrar em campo, pois sou "a titular da reserva".
Meu horário de trabalho é de 3:00 da tarde às 10:00 da noite. Além do trabalho em si, que é legal, gosto mesmo é de ver
os "personagens" do centro da cidade. Alguns, principalmente ao cair do sol no belo horizonte,  parecem sair de suas tocas pra dar o ar da graça. E eu acho muita graça mesmo, porque é cada figura!

  • a "porta-voz" da clínica odontológica proclamando 'orçamento sem compromisso' como se fosse um altofalante de feira que, a cada minuto, anuncia 3 abacaxis pelo preço de 1! (Nesse caso, acho que confiar sua boca a um "profissional" desses, pode ser mesmo um grande abacaxi!)
  • os ambulantes super cabreiros, com medo da polícia vir lhes tomar a mercadoria clandestina e camuflada;
  • pastores fanáticos, ignorantes e despreparados usando a Bíblia como chicote, tática que ao invés de atrair, só repele;
  • aglomerações em torno dos artistas de rua ou do famigerado "homem da cobra";
  • as prostitutas que parecem bem desencanadas e seguras de si;
  • os travestis que se acham as rainhas do pedaço e exploram seus clientes até à última gota;
  • os doidos que fazem muito barulho, dão piti ou simplesmente tiram a roupa e saem desfilando pelados pela rua;
  • os bêbados, que fazem um show à parte e são sempre imprevisíveis: ou fazendo barraco, ou tagarelando, ou andando mudos pra lá e pra cá, ou dançando sozinhos ao som das músicas de 5ª categoria quem vem da lojinha de cd's ao lado. (Engraçado que depois das 6:00 da tarde, o nível do repertório dessa loja refina-se que é uma beleza!);
  • tem também as pessoas exóticas e seus figurinos exdrúxulos, mas com a autoestima lá em cima;
Sim, o centro também tem seu "lado B". E como tem!
É mendigo disputando seus benfeitores; é flanelinha defendendo seu "território"; é gente passando mal e caindo em plena calçada... Mas o pior de tudo é o tanto de pilantra dando golpe e passando a perna em pessoas inocentes.

Se a gente não se policia ao ver tanta maldade, aos poucos corre o risco de ir se embrutecendo, ficando insensível às mazelas alheias, enfim, desconfiando de todo mundo e perdendo a fé na humanidade, o que seria lastimável!
Ainda bem que o exercício do Cristianismo na vida pessoal e uma ou outra cena de generosidade nos devolve a emoção e os bons sentimentos, senão... seríamos máquinas ou monstros!

Um outro contrapeso que me traz leveza no trabalho da loja é o Mané Garcia, um cara de 55 anos, morador de rua, doido, desdentado, semianalfabeto e que vira e mexe está bêbado.




Sua história é muito triste: ele morava com a família no litoral paulista, quando um dia flagrou sua mulher na cama com outro. Esse homem enlouqueceu! Literalmente!
Sendo nordestino cabra-macho-sinsinhô, é um milagre que não tenha acabado com a vida dos dois amantes ali mesmo! 

Não fez isso, mas cometeu a loucura de abandonar tudo para trás e desembestar pelo mundo! 
Nunca mais voltou ali e nunca mais teve notícia dos seus.
 


Veio parar em Belo Horizonte, onde se fixou há muitos anos e aqui fez amigos; dentre eles, a família do meu marido, nossos funcionários e demais comerciantes da vizinhança. Todo mundo gosta dele e o ajuda.

Por mais incrível que possa parecer, o Garcia é um cara muito alegre, respeitador, puro e honesto. Tanto que até pouco tempo, minha sogra confiava nas mãos dele, os pagamentos e depósitos bancários da loja. Ela só parou de solicitar seus préstimos de office-boy freelancer, porque o gerente do banco lhe fez uma súplica com um leve tom de ameaça. É que quando a fila do banco empacava, ele aprontava o maior escândalo, exigindo seus direitos de consumidor e todos ficavam incomodados, mas ninguém se atreve a "incomodá-lo". (HAHAHAHAHA!!!)

O Garcia é meu amigão e me diverte demais, apesar de ser um grande pelinha de vez em quando!





Uma coisa incrível e que ele adora exibir é o seu conhecimento do telefone da Petrobrás, da Vale e até do gabinete da Presidência da República. Eu mesma já testemunhei por insistência dele, claro. Ele liga e faz a gente ouvir a gravação, confirmando a veracidade de sua palavra.

Ele também adora mostrar sua "intimidade" e "laços familiares" com os políticos em exercício: Lula é seu pai e Aécio, nosso atual governador, é seu irmão. 

Ano que vem, tempo de eleições, vamos ver quem é que vai passar a ocupar esses 'papéis' na vida dele.

No dia em que tirei essas fotos, inclusive, ele me fez prometer que eu as mandaria pro Lula;e nos dias seguintes ficava me perguntando toda hora se eu já tinha mandado! 
(Ai meu saquinho de filó!)



Ô peça rara!

Eu gosto muito desse cara e faço questão de mostrar pra todos que ele é meu protegido ali.
Meu marido pega muito no pé dele e briga muito quando ele está bêbado ou cheirando mal! Ele obriga o Garcia a ir tomar banho na rodoviária e apesar de todo o protesto, reclamação, resmungos e tal, ele obedece. Eu acho engraçado e vejo claramente que no fundo ele adora isso, pois vê que tem pessoas que se importam com ele. É uma graça!
Por essas e outras, ele tem uma fidelidade canina para com a gente e isso é muito gratificante.

Assim é o centro da cidade: o palco que sempre nos surpreende com a comédia e drama humanos.

11 comentários:

  1. Penso que a vivacidade de um lugar se confere perambulando pelo centro da cidade. Concordo plenamente contigo, e na poucas vezes que viajo para fora de São Paulo sempre reservo algumas horas para circular pelo centrão,rs. Por acaso, neste 2009 tive o prazer imenso de estar em Belo Horizonte e na praça que você postou aqui. Meu destino era Ouro Preto e Mariana, onde aconteceria o festival de Inverno com Beto Guedes, Tavinho Moura, Boca Livre e tantos outros. Para a viagem valer a pena de fato, me programei para antes de seguir para Ouro Preto, passear pela Grande Belo Horizonte e foi o que fiz. Fechei meu "passeio abençoado" por BH indo até o Bairro de Santa Teresa, conhecer a esquina onde nasceu o Clube da Esquina. Foi um passeio simples, especial e marcante.

    • Visito a página (http://sobretudo.nafoto.net/) do Moratelli, e passei por aqui, pra conferir seus textos.

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  2. Josemauros, que prazer te receber por aqui, meu caro! Somos companheiros assíduos no querido território do "Sobretudo" e quero que vc saiba que é muito bem vindo nesse espaço tbém, viu?

    Fiquei maravilhada de saber da razão dessa sua visita ao meu estado, principalmente de ver que vc tem extremo bom gosto musical!
    Clube da esquina, Beto Guedes, Tavinho Moura, Boca Livre... NOOOOOOOOOOSSA!!!!! Música da melhor qualidade!

    Da próxima vez que vier pras bandas de cá, me avise que aí, quem sabe, a gente pode programar uma rodada de pão de queijo com pingado no tradicionalíssimo Café Nice, bem aí na Praça Sete, ou ir comer um rochedão no Bolão, tradicional restaurante de Santa Tereza, que tal?
    :)

    Abraço e volte mais, tá?

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  3. Café Nice!!!! Este nome me lembra uma canção do MILTON CARLOS, porém sempre imaginei se tratar de uma casa carioca!!! Terei que pesquisar para saber se existe Café Nice só em Minas, ou não. À propósito, você sabe algo sobre isto?

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  4. Passeando pelo bairro de Santa Tereza, subi até a Praça Duque de Caxias, e fui tomar uma água de coco no Bar do Bolão, mas ficou faltando um tempo pra tirar uma preguiço por lá, rs.

    À propósito, nesta praça tem em 4 ou 5 pontos, um monumento em concreto e ferro, cada um com uma cor diferente, porem para meu espanto não vi placa com o nome do artista ou significado da obra. Para mim, parece um pentagrama com alguma escala musical nela, será que estou certo? Você sabe dizer algo?

    Caso aconteça uma nova edição do festival em Ouro Preto e Mariana, certamente vou me programar para repetir a dose. rs

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  5. Eu sempre achei que o Café Nice ORIGINAL ficava em São Paulo pque minha mãe, quando solteira, morou alguns anos em SP e me lembro dela falar alguma coisa sobre esse tal Café.
    Acho, inclusive, que conheço essa música do Milton Carlos que vc mencionou, através dela e, talvez por isso, associei a SP, mas não tenho certeza.

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  6. Quanto ao monumneto em Santa Tereza, não sei te falar.
    Vc acredita que fui lá nessa praça (onde fica o Bolão) uma única vez e mesmo assim, à noite?
    Credo, que vergonha!

    Voltando ao Clube da Esquina, é engraçado que teve uma corrente dela (talvez uma geração mais nova e discípulos dos fundadores Milton Nascimento, os irmãos Borges, Tavinho Moura, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Beto Guedes) que se desenvolveu pros lados do Sion, zona sul de BH.
    Há alguns anos li uma reportagem numa revista mineira que falava sobre aquela clássica e linda música "Rua ramalhete" (lembra?) do Tavito e Ney Azambuja, cuja letra é o retrato fiel da época, tudo aquilo aconteceu realmente, e o cenário é justamente a zona sul da cidade.

    Mas sem dúvida, o bairro de Santa Tereza tem uma vocação musical incrível. Se não me engano o Skank tem suas raízes lá tbém.

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  7. De fato vi fotos do Skank no Bar do Bolão, inclusive um disco de ouro, e sai pensando no quanto ele devem ter frequentado o bar, rs. Voltei à pouco na página SOBRETUDO e vi que você é a maestrina!!! Uau, que responsabilidade, hein?!!! O que você achou do meu comentário sobre o papel do regente?

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  8. Tive que voltar lá na página do Sobretudo ("Uma bateria à deriva") pra lembrar o que vc tinha escrito, né?
    heheheheheh.
    Vc falou tudo, Josemauros. É aquilo mesmo.
    Por mais que o corista sabe a sua voz e tenha ensaiado exaustivamente aquele determinado repertório, a presença do regente é sempre importante pque, como falei lá, é ele quem dá a dinâmica da música e a expressão do Coral.

    Sim, eu sou musicista. Além de regente de um Coral Jovem com 120 vozes, toco piano desde os meus 7 anos de idade e tbém sou cantora e compositora.
    Minha área é a música sacra, pois ou cristã desde que nasci, graças a Deus.

    Vi lá no Sobretudo que vc já cantou em Coral. Qual é a sua voz? Qual era o repertório? Por que saiu?

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  9. Que legal ver que os nossos laços se estreiam em blogs amigos, isso me deixa bem feliz e ainda mais motivado. Quanto a estar no centro da cidade, esse post tem tudo a ver comigo, que agora mudei de emprego e estou ainda mais no centrão da cidade, no meio do caos, da muvuca, da meiuca que nos faz refletir na doce delicia de ser apenas mais um na multidão de pernas que se cruzam pelo asfalto da selva de pedra.

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  10. Valmir querido, vc tem mesmo muitos motivos pra se orgulhar!
    1º por ter um blog incrível que provoca paixão à primeira lida e 2º por proporcionar lá um ambiente tão acolhedor, que seus frequentadores tbém se vêem como amigos. (Vc tá vendo o papo gostoso aí com o Josemauros, né?)
    Isso é muito legal! Diria mais: é um dom!
    Muito bom ter vc aqui sempre!

    Mas lá no Sobretudo vc tem andado bem sumido, heim?
    Será que é só a adaptação no novo emprego ou são as muitas pernas do centro da cidade e muitas bun... da praia nesse calorzão que tem feito, né?
    heheheheh.

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  11. Com 19anos fui para uma escola séria estudar teoria musical, mas só fiquei um ano (a faculdade me roubou este sonho,rs). Neste período estudei Trombone por 6 meses, e um tanto de tempo no coral onde por falta de vozes masculinas, me improvisaram como Baixo. Valeu a experiência, mas não apostei mais na carreira. Meu trombone foi para o estojo desde então. ---- Hoje consegui concluir a leitura do seu post, e saber do Mané Garcia. Dá pra ter ideia da "figura" que ele é, rs. Parabéns à você por ter ido tão longe com a música.

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