quarta-feira, 2 de junho de 2010

A 1ª batida no carro, a gente nunca esquece!

Eu dirijo desde os 14 anos de idade. Meu pai que me ensinou, num período de férias na Bahia. Foi a glória pra mim e pro meu irmão, que tinha 13.

Antes que alguém condene meu querido e bom pai,  por tão grande irresponsabilidade, quero dizer que os tempos eram outros (hahahahah!!!! Parece papo daquela tia velha!) e no Nordeste, isso era uma prática muito comum. Lá, os jovens ganhavam seu 1º carro no aniversário de 15 anos! Sério!
Mas o principal argumento eu deixei por último: eu sempre fui precoce, portanto, com 14 anos, eu tinha maturidade e juízo de 18! (cof,cof,cof) Pode crer! 
Na época (1982) eu morava em Natal, cidade pacata até hoje e todos os dias (é isso mesmo!) TODOS OS DIAS eu  treinava!  Aluna super aplicada, eu precisava aprimorar minha direção, uai!

Como o meu pai praticamente não usava o carro pro seu trabalho, eu "roubava" o carro da garagem e rodava a tarde inteira! Que beleza!
Como eu falei, os tempos eram outros, inclusive na questão do preço da gasolina!

O detalhe é que eu não aprendi a dar a ré (morria de gastura) e pra tirar o carro da garagem, meu irmão empurrava o carro pra rua, que era levemente inclinada, e só lá na esquina eu ligava o carro e dava a partida com o meu cúmplice, sem rumo. 
Como já falei, era a glória!

A gente rodava o nosso bairro todinho, visitava os amigos (que morriam de inveja!) e se divertia horrores! Pra mim, aquilo era o mesmo que estar na Disney!

Eu e meu irmão, democraticamente, revezávamos no volante, mas confesso que eu era bem mais fominha e tinha uma 'leve tendência' de querer monopolizar, mas entre tapas e beijos, a gente se entendia.

Em abril daquele ano, meu pai foi transferido pra Recife e mesmo ciente de que era uma cidade maior, com trânsito mais agitado, não me intimidei, porque com o "intensivão" diário em Natal e já sabendo dar a ré (minha amiga Suêrda me ensinou na marra, quase que com uma faca no meu pescoço!) a nova cidade já tava no papo!

E tudo conspirava a favor: o trabalho do meu pai ficava duas ruas atrás da nossa casa e todo dia ele ía trabalhar a pé. Fim de semana muitas vezes ele viajava, ou seja, o carro era TODO MEU! Uh-huuuu!!!!

A essa altura, eu já tinha sido empossada oficialmente A motorista da família. Meu irmão nem se interessava muito pelo carro e abriu totalmente o caminho pra mim; e minha mãe, sendo canhota, nunca conseguiu dirigir passando a marcha com sua mão direita (ô dozinha!) e logo percebeu que não tinha dom!

Mas eu tinha! Nasci pra isso, minha gente! 
Minha mãe precisava ir ao centro, ir num outro bairro, aqui ou acolá, quem a levava de carro? EU!
Maravilha!

E quer saber? Eu sempre dirigi muito bem! 
"Moléstia" à parte!

Todo dia eu ía pra escola de carro; toda sexta à noite eu ía de carro pro ensaio do grupo musical do qual eu era pianista e depois, muitas vezes, com o som no talo, eu ía sozinha dar uma "voltinha" na orla de Boa Viagem (que ficava uns 15 quilômetros da minha casa) pra arejar minha mente tão exausta! Nada podia ser mais prazeroso que isso! E quase todo domingo eu ainda ía pra praia com as amigas. De carro, claro!
(Sinceramente? Hoje eu me arrepio ao lembrar disso!)

Mais pro final do ano de 82, eu já com meus 15 anos, numa bela tarde de sexta-feira eu voltava da escola com o carro cheio de caroneiros, (aquela farra de sempre), quando já pertinho de casa, numa rua de mão única, eu vi uma kombi saindo da garagem e um outro carro parado, esperando a manobra. Eu vi toda a cena, desacelerei bonitinho, mas me distraí com os amigos e quando olhei pra frente, tava em cima daquele carro parado. Não deu outra: CRASH!!!!

Meu coração disparou, minha cara queimou, minhas pernas ficaram bambinhas e eu me vi no maior apuro já vivido até então! Que loucura!

Eu fiquei com ódio de mim mesma, porque sabia que aquela batida podia ter sido evitada! Não só porque eu vi tudo antes e me distraí, mas principalmente porque eu podia ter enfiado o pé no freio com muito mais força! Só que eu amarelei pela razão mais besta do mundo: eu sempre tive a neura de que se fizesse isso, meu pé ía vazar lá embaixo e eu acabaria freando igual os Flinstones! Ô derrota!

Quando eu olhei direito, o carro no qual eu tinha batido era simplesmente O CARRO MAIS LUXUOSO DA ÉPOCA: um Del Rey 4 portas. Hoje isso não existe mais, porque são muitas as opções de carros de luxo, mas naquela época essa distinção era bem mais definida!

Pra piorar, lá dentro estava uma moça muito grã-fina, com o seu motorista particular!
Socorro, mamãe!!!!!!
Aquela moça podia ser a filha mimada de algum empresário poderoso, ou de um político poderoso, ou de um mafioso poderoso, ou, pior ainda: as 3 coisas ao mesmo tempo!
Puuuuuuuutz! 
A morte é melhor!

Eu fiquei lá, paralisada, sem conseguir me mover, bem como os meus pseudo-amigos, que não fizeram NADA pra levantar minha moral!

De repente, vejo as portas do carrão se abrirem: primeiro veio o chofer, pra ver se alguém tinha se machucado... mas  ele viu coisa muito pior: uma criança ao volante! 
Correu lá na patroa. (Fofoqueiro de uma figa!)
Lá vem a moça e para na minha janela, olha bem pra mim e, verdade seja dita, com muita ternura (gracinha!) me pergunta: "vc tem carteira de motorista?"
Eu, uma criança bem cara de pau e sem nenhum dote teatral, disse que SIM, mas que não estava comigo! (Tava com o meu pai, inclusive tinha o nome e a foto DELE!)

Ela, muito boazinha mas incrédula, claro, só deu um sorrisinho no canto da boca e falou pra eu ligar pra minha casa, que ela teria que chamar a polícia pra fazer o B.O.
Ai,ai,ai,ai,ai!
Diante da gravidade daquela situação, eu nem podia me dar ao luxo de ficar sem ação, pois tinha que correr contra o tempo! Precisava agir mais rápido que a polícia!
Ó céus!

Lembrando que naqueles idos de 1982 não havia telefone celular, então eu corri desembestada pro prédio da CELPE (a companhia de energia do estado de Pernambuco), em frente de onde estávamos, buscando uma alma compassiva que me desse a mão naquele momento desesperador!

A essa altura, meus amigos fajutos já tinham evaporado e eu, tão caridosa para com eles, oferecendo carona todo dia, agora me encontrava sozinha, na cova dos leões!
(Tá vendo como a vida é injusta e a decepção muitas vezes vem de onde você menos espera? Covardia!)
Consegui telefonar e por misericórdia divina, meu pai estava em casa! Dei a horrenda notícia a ele, que em poucos minutos já estava no local do crime, antes mesmo da polícia chegar pra me levar algemada no camburão!
Minha imaginação voava e eu conseguia me ver no xilindró, recebendo visitas e bolos recheados com 3-oitão!
Ai que horror!

Papai, um diplomata nato, a mansidão em pessoa, com muito jeito, conversou civilizadamente com a moça e com a polícia, reconheceu o seu erro de pai generoso, moderno e liberal (tadinho!) e se comprometeu a pagar os prejuízos do carrão. E ficou só nisso mesmo. (Graças a Deus não existia esse código de trânsito vigente que assombraria os motoristas generosos, modernos e liberais do passado!)

Bem, eu mesma não vi nada disso, porque quando o meu pai chegou ao local da batida, pedi que ele me deixasse ir pra casa, onde me enfiei debaixo das cobertas, com vontade de não sair de lá nunca mais! Afe!

À noite, toda a família já sabendo do triste ocorrido, ouvi  sermão, levei merecidas broncas, fiquei de castigo sem pegar no carro por alguns dias, mas... como a necessidade fala mais alto, logo eu estava de volta ao volante, toda serelepe, levando minha mãe pr'ali e pr'acolá e, claro, passeando com as amigas, pois ninguém é de ferro, pôxa!
 

PS: Crianças, por favor, não reproduzam isso, ok?
Como falei, os tempos eram outros!